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Qual foi a gravidade da recessão no Brasil e qual a força da recuperação

Entre abril de 2014 e dezembro de 2016 foram onze trimestres de quedas praticamente contínuas do Produto Interno Bruto na mais longa recessão no Brasil desde 1992. Somente em outubro de 2017 é que o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) conseguiu identificar que o período de retração havia acabado e que o país iniciava a atual lenta recuperação.

Recessão é a contração da atividade econômica. Segundo a definição oficial do Codace, é uma "fase cíclica marcada pelo declínio na atividade econômica disseminada entre diferentes setores econômicos".

As empresas investem e produzem menos, o desemprego aumenta, o consumo das famílias diminui, um processo de interação entre causas e consequências. Assim o PIB chegou a cair 8,1% acumulados até o pior momento da crise.

 

A recessão de 2014

O PIB é um só, mas há como medi-lo por duas óticas: quem oferece e quem compra. Quando por um lado a indústria produz menos e o setor de serviços não funciona, por outro não há demanda. Sem produção e venda, não há emprego e renda, nem capacidade de investimento.

No Brasil de 2014 a 2016, a queda foi disseminada entre os setores da economia. Do lado da produção, só a agropecuária não sofreu. O setor tem sua produção voltada para o mercado externo e por isso é menos dependente da demanda nacional - mas representa apenas cerca de 10% do PIB pelo chamado lado da oferta.

O setor de serviços, que representa mais da metade do produto, caiu. Mas quem mais sofreu mesmo foi a indústria, que chegou a encolher 12,9%.

Os gráficos abaixo trazem os resultados já divulgados, até o terceiro trimestre de 2017. A recessão acaba no trimestre 11.

 

A medição pela ótica da demanda mostrou que o governo até tentou manter seus gastos no início da crise, mas não teve fôlego por causa dos problemas nas contas públicas. Com o desemprego, principalmente a partir de 2015, a capacidade de consumo das famílias também diminuiu - é este o componente mais pesado do PIB pelo lado da demanda.

Nenhum componente, porém, chegou perto da queda do investimento. A chamada “formação bruta de capital fixo” caiu quase 30%. Ela mede todo gasto que é feito para aumentar a produção e a riqueza, gerar mais PIB. Isso engloba desde a compra de uma máquina até a construção de infraestrutura. Com o aperto na economia, o investimento - que não é um gasto obrigatório - é quem mais sofreu. A queda no investimento ajuda a alongar o ciclo vicioso.

 

A retomada

A fase atual é a de recuperação. Nos três primeiros trimestres de 2017, para os quais já existem resultados disponíveis, o PIB foi positivo. As previsões são de que a economia cresceu cerca de 1% no ano que passou. Na avaliação do Codace, a recuperação “é lenta”.

Em documento publicado no fim de 2017, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda divulgou as projeções para os próximos PIBs trimestrais. O crescimento estimado para o 4º trimestre de 2017 é de 0,3%. Para 2018 a projeção fica entre 0,7% e 0,8% em todos os trimestres.

 

Mesmo que se confirmem as projeções do Ministério da Fazenda, a recuperação terá sido mais lenta do que nas outras grandes recessões das últimas décadas. Nas crises da década de 1980, o país conseguiu recuperar o nível de PIB que tinha antes da recessão em um período entre 15 e 17 trimestres a partir do início. No ritmo atual, o Brasil chegará ao 19º trimestre, no fim de 2018, ainda bastante longe de igualar sua produção à de 2014.

 

Dado esse cenário, o Nexo entrevistou dois economistas sobre a recessão brasileira, a comparação com crises passadas e a força da recuperação da economia.

  • Laura Carvalho, professora da USP e doutora pela New School for Social Research (NYC)
  • Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda

Como compara a crise atual, em duração e profundidade, com as anteriores?

LAURA CARVALHO A crise atual terá duração muito maior do que as duas outras grandes recessões das últimas décadas. A renda média dos brasileiros e o nível de emprego formal ainda estão muito abaixo do patamar de 2014, de modo que ainda não se pode dizer que a crise acabou.

A crise atual não é uma crise de hiperinflação, não está naquele contexto de caos econômico, de problema externo. Ela é uma crise de economia real que não tem uma causa única. A profundidade dela é explicada por uma combinação de fatores recessivos ao mesmo tempo.

MANSUETO ALMEIDA As crises passadas, tradicionalmente, eram ligadas ao setor externo. Agora é diferente. Houve uma crise em 2008 e 2009, foi muito curta, mas ali houve uma mudança de política econômica. Ali começou uma série de intervenções na economia que fez com que, quando o mundo começou a crescer, o Brasil entrasse em uma crise violenta que não tem nada a ver com o resto do mundo.

A crise atual levou a dois anos seguidos de queda de PIB, a última vez que isso tinha acontecido foi em 1930 e 1931. Foi uma crise de intensidade e magnitude inesperada, mas produzida domesticamente.

Não foi um problema só macro, com deficit fiscal, juros e inflação. Uma série de investimentos errados e subsídios que viraram pó. Erros sucessivos de política econômica. Se sabia que esse conjunto de políticas não era consistente, mas quando a crise vem é de uma vez só. A magnitude surpreendeu todo mundo.

Como avalia a recuperação que o país teve em 2017?

LAURA CARVALHO A modesta recuperação de 2017 contou com a ajuda de safras recorde na agropecuária e de algumas medidas de estímulo ao consumo (saques do FGTS e PIS-PASEP), mas a economia ainda não mostrou dinamismo no seu mercado interno e no mercado de trabalho. Ao que tudo indica, caminhamos para uma década perdida, de estagnação da renda per capita.

O principal sinal de fragilidade da recuperação é o mercado de trabalho, criação ínfima de empregos e empregos precários. Na falta de emprego, é difícil imaginar uma retomada do consumo suficiente para trazer o dinamismo do mercado interno, ajudar na retomada dos investimentos. Além disso, já um endividamento elevado das famílias e das empresas que torna essa recuperação mais lenta.

As projeções do governo são levemente otimistas, mas depois de uma crise tão profunda haja alguma taxa de crescimento positiva.

MANSUETO ALMEIDA Dada a magnitude de queda e o grau de desorganização da economia, a recuperação é consistente. Se fosse uma crise só de demanda, a recuperação era mais rápida.

Essa crise tem um componente macro, com juros, inflação e o problema nas contas. Mas tem um componente micro que é o desperdício de recursos com subsídios a setores que não eram competitivos. Então sair de uma crise dessa e crescer algo em torno de 3% em 2018, em um cenário de inflação e juros baixos, é uma recuperação bastante expressiva.

Quando voltaremos ao PIB que tínhamos quando a recessão começou?

LAURA CARVALHO Se não houver mudanças na política econômica e no cenário externo, só em 2020. E a renda média vai demorar ainda mais para se recuperar, pois a população continua crescendo. Mesmo se as projeções se confirmarem já está claro que essa é a recuperação mais lenta em todas as crises.

MANSUETO ALMEIDA A gente só vai voltar a ter o PIB de 2014 em 2019. Se a gente crescer, em média, 3,1% nesse o no próximo ano. Ou seja, o país perdeu 2015, 2016, 2017 e 2018. Se pegar a projeção de mercado, todo mundo já espera entre 2,5% e 3%. Acho que crescer em torno de 3% é bem possível.

Esse crescimento pode trazer de volta o bem-estar da população, os salários já começaram a crescer no ano passado, reajustes acima da inflação. A volta do emprego é mais gradual, o mercado de trabalho é o último que responde, mas a taxa está caindo.

A recessão de 2014 foi a pior da nossa história?

LAURA CARVALHO Houve uma reversão de um ciclo de valorização das commodities muito rápido em 2014, um choque externo relevante, junto a uma crise política profunda. Além disso, uma política econômica recessiva, tanto a fiscal (corte de gastos) quanto a monetária (juros altos). É a combinação de um cenário externo desfavorável foi agravado por uma crise política.

A recessão foi tão profunda quanto a de 1981-83, mas a recuperação está sendo muito mais lenta, o que talvez torne essa a pior crise da nossa história.

MANSUETO ALMEIDA Uma das piores, uma das mais longas. Ela é pior porque não foi só uma crise macro, resultado de um único problema. E ela traz um quadro de desarranjo grande na economia. A magnitude da crise afetou municípios, estados e o governo. O desarranjo no setor produtivo foi muito grande, boas empresas não resistiram à crise, desemprego. Pelo conjunto da obra, talvez tenha sido a pior crise do Brasil nos últimos 50 ou 60 anos.

Pra mim ela é pior ainda porque era claramente evitável, foram erros sucessivos de política econômica.

Colaborou Rodolfo Almeida (gráficos)

Fonte: Nexo

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