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Coaf sob Justiça facilita seguir dinheiro

A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o guarda-chuva do Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, em 2019, pode ser uma forma de o governo viabilizar a investigação de contribuintes que aderiram aos programas de anistia a recursos no exterior, embora a legislação que disciplinou as duas rodadas, em 2016 e 2017, em tese, tenha perdoado alguns crimes desde que os ativos regularizados não tivessem origem ilícita.

Segundo Guilherme Cooke, sócio do Cepeda Advogados, o superministério poderia usar informações relatadas ao órgão hoje ligado à Fazenda para alegar algum tipo de suspeita e, com base nelas, investigar as declarações de quem fez a anistia.

"A lei do RERCT realmente proíbe que as informações dadas na anistia sejam usadas para investigar os clientes. Isso previne que seja feito o que chamamos de 'fishing expedition', que seria a busca imotivada por irregularidades, pautada só pelas declarações", diz. "No entanto, é possivel o acesso às informações caso haja alguma outra investigação em curso, por outro motivo. Nessa hora, ter o Coaf embaixo do Ministério da Justiça vira uma mão na roda."

O especialista acrescenta que, do ponto de vista legal, pode ser que o cruzamento de informações entre outras jurisdições -- como o Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca), dos Estados Unidos, ou o global Common Reporting Standard (CRS) -- permita a abertura de investigações por outras suspeitas de lavagem de dinheiro, que por sua vez motivariam o acesso a informações da declaração de anistia.

"Vale lembrar que qualquer investigação ou punição só acontece se os recursos anistiados não tiverem a origem que a lei da anistia aprovou como origens possíveis de se anistiar, como por exemplo crime de corrupção", afirma.

Cooke cita que o novo Ministério da Justiça pretende seguir o caminho do dinheiro para combater o crime organizado e a corrupção. Em vez de procurar traficantes de drogas, por exemplo, os criminosos seriam pegos pelas movimentações financeiras. Ele lembra que desde a década de 90, o esforço da ONU para combater a lavagem de dinheiro criou uma rede de proteção extremamente forte.

O especialista considera, porém, que talvez essa prática mais unificada tenha chegado atrasada. "O sistema está pronto, mas quem pratica crime não usa mais dinheiro vivo há pelo menos cinco anos, agora é tudo por moeda virtual.

"Do ponto de vista dos bancos, Cooke considera que a ida do Coaf para o Ministério da Justiça não deve ter nenhum impacto legal para as instituições mudarem sua forma de atuação.

O diretor de um grande banco com presença internacional lembra que os grupos financeiros mundo afora apertaram muito os seus sistemas de controle nos últimos anos, bem como suas políticas de "know your customer" (conheça o seu cliente). "Não digo que seja zero [o dinheiro do crime organizado] que circule pelo sistema financeiro, mas isso é hoje pouco representativo.

"Desde operações como Lava-Jato e Zelotes que se fala que o Ministério Público Federal poderia usar informações de quem aderiu à anistia como dados de inteligência, para auxiliar em investigações. Quem entrou no programa com o objetivo de legalizar dinheiro ilícito, hipótese proibida pela lei, poderia ser acusado na Justiça de lavar dinheiro e ser excluído do programa.

Hermano Notaroberto Barbosa, sócio da área tributária do BMA, lembra que na edição das leis de anistia e durante o processo de adesão, adotou-se a lógica declaratória, do próprio contribuinte expor qual foi a origem do dinheiro regularizado, sem ter que fazer a comprovação documental. A Receita Federal, por sua vez, deixou claro que caberia ao órgão fiscal o ônus da prova de identificar valores eventualmente ilícitos. Mas a hipótese de se partir das declarações de anistia para fazer investigação não teria cabimento jurídico, diz.

"A regularização tem certa natureza contratual, o contribuinte tinha que atender a certas condições, mas ao cumprir e manifestar a sua adesão voluntária passaria a se beneficiar do regime, com obrigações e direitos", afirma.

Desde que respeitados os direitos dos contribuintes e a legislação, o especialista vê com bons olhos o compartilhamento de informações financeiras entre os órgãos da administração pública, se isso for em benefício da segurança jurídica do país. "O cruzamento é eficiente. A lei de regularização [de ativos] não surge do nada, não é uma jabuticaba brasileira", acrescenta, referindo-se aos acordos de trocas internacionais.

Barbosa ressalva que o acesso à informação não é, por si só, suficiente para coibir crimes diversos, é apenas um meio. Ele acredita que a Receita tem capacidade técnica para identificar operações suspeitas e seguir o caminho do dinheiro, mas não tem certeza se o grande volume movimentado pelo crime organizado está fora do sistema financeiro tradicional.

Considerando-se os volumes bilionários da corrupção reportados nas grandes investigações da Polícia Federal, como Lava-Jato e Zelotes, não é possível afirmar que o dinheiro ligado à corrupção hoje circula por meio de criptoativos, com um papel secundário para as movimentações feitas com dinheiro vivo, segundo o advogado Rodrigo Borges, sócio do escritório Carvalho, Borges Associados.

Coautor do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional", o especialista lembra que na consulta pública que a Receita Federal fez para tentar disciplinar esse mercado do ponto de vista fiscal, os números do setor não passam de R$ 8 bilhões. "Pelo que se tem notícia, o grosso da corrupção não gira por meio de criptoativos. Os desvios da Petrobras, por exemplo, superam e muito esses números. Não dá para admitir que o mercado de criptoativos é usado meramente para fins ilícitos.

"Questionado se esses valores não poderiam estar subestimados pela dificuldade de mapear o segmento, ele diz que as corretoras de criptomoedas ("exchanges") conseguem informar o volume de transações a qualquer momento. Ele admite, porém, que há transferência entre pessoas ("P2P"), da mesma forma que acontece com o dinheiro.

Borges acrescenta que as exchanges têm aperfeiçoado seus programas de compliance e de conhecimento do consumidor, tal como os bancos, já com vistas a uma futura regulação. Por enquanto, esses intermediários transitam numa zona cinzenta, sem que a CVM ou o BC tenham normatizado a sua atuação. O advogado considera, entretanto, que o reporte mensal de transações proposto na audiência é incompatível com a estrutura dessas empresas, que não contam com o mesmo aparato dos bancos, que reportam movimentações financeiras ao Coaf periodicamente.

O BC nos últimos anos adotou medidas para inibir o uso de dinheiro físico em grandes quantidades: reduziu de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor mínimo de transações em espécie que precisam ser notificadas automaticamente pelos bancos e limitou o pagamento em espécie de boletos com valor superior a R$ 10 mil.

 

Fonte: Valor Econômico

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