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Reforma tributária ainda pune o consumo e privilegia a propriedade, dizem advogados

Cada vez mais protagonista e independente do Poder Executivo, o Congresso Nacional retoma os trabalhos no próximo dia 3 de fevereiro e segue focado em uma agenda reformista. 
 
Após conseguir aprovar um pacote de mudanças profundas no sistema de Previdência Social, nas relações de trabalho, entre outras, a bola da vez entre os parlamentares é a reforma tributária. Por sua complexidade e impacto, é pauta de todos os governos civis, mas pouco vingada.
 
Apesar das dificuldades, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se mostra otimista. Em suas redes sociais, o parlamentar afirmou que o “Congresso está envolvido e engajado em aprovar a reforma tributária ainda neste primeiro semestre”.
 
Caso queira cumprir a promessa, Maia e o Congresso terão que trabalhar arduamente. Existem muitas propostas para reformar o sistema tributário brasileiro, mas as duas que têm mais chance são a PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, no Senado.
 
A 45 é de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e tramita na Câmara. Já a de número 110 é assinada pelo presidente do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP), e outros 66 senados. Consultores legislativos elaboraram um comparativo entre as duas propostas e alguns parlamentares defendem uma junção dos dois textos.
 
A ConJur consultou especialistas em Direito Tributário para que destacassem os pontos positivos e negativos das PECs. Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio da Bichara Advogados, existe uma certa insensibilidade ainda com relação a premissa de que nem todo esse aumento de carga será repassado ao consumidor final.
 
“Estamos falando de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) que tende a ser o mais alto do mundo com uma alíquota que vai beirar os 30%. E existe uma premissa no Congresso de que isso só onera o consumidor final. Só que isso é uma premissa equivocada”, diz.
 
Para Bichara, as propostas vão resultar em aumento de carga tributária e é preciso tratar disso claramente. “Outro ponto que é sempre dito muito é que a reforma vai simplificar o sistema tributário. Só que o prazo de transição da PEC 45 é de dez anos. E da PEC 110, de cinco anos. Então a reforma que passar pode até simplificar, mas vai simplificar só alguns anos depois. Nesse meio tempo, os contribuintes vão continuar apurando os tributos que apuram hoje e mais o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Portanto, perceba que as duas premissas dessas duas propostas, que é a simplificação do sistema e a manutenção da carga tributária, são facilmente postas em xeque”, comenta.
 
Quem também se mostra crítico às duas propostas é o tributarista Breno Dias de Paula. “Entendo que ambas as propostas focam, inquestionavelmente, na simplificação, o que, de fato, é um avanço. Todavia, lamentavelmente, ambas as propostas reafirmam a matriz tributária brasileira de tributar o consumo, violando, assim, a capacidade contributiva e a igualdade. Se afastam de calibrar com maior equidade a tributação sobre a renda e a propriedade. Ou seja, o pobre continuará a pagar mais imposto no Brasil. Tenho preocupação, ainda, pelo fato de que as propostas suprimem direitos e garantias constitucionais (princípio da não cumulatividade, por exemplo) e não esclarecem com clareza necessária como será a tomada de créditos dos referidos tributos cumulativos,” explica.
 
Wilson Sales Belchior, sócio do escritório Rocha, Marinho e Sales Advogados, comenta que “na PEC 45/2019, destaca-se a fixação da competência tributária no âmbito federal, com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) por Lei Complementar Federal, ressalvada a determinação das parcelas das sub-alíquotas, a ser definida por lei ordinária de cada ente federativo, o que se relaciona à maior flexibilidade na gestão fiscal, mantendo-se, contudo, alíquota de referência para o contribuinte”, afirma.
 
Em relação à PEC 110/2019, Belchior explica que “a aplicação uniforme das alíquotas do IBS em todo território nacional é um avanço na uniformização tributária, para que as empresas se organizem de acordo com critérios de produtividade, sublinhando-se também a possibilidade de concessão de benefícios fiscais, por lei complementar, para operações de diferentes setores econômicos”.
 
Insegurança e problemas diversos
O tributarista Hugo Funaro, do escritório Dias de Souza Advogados Associados, enxerga que o ponto positivo das duas propostas é fomentar a reflexão sobre o sistema tributário e discutir possíveis melhorias. Já os problemas, segundo ele, são muitos. Um dos principais é a possível insegurança jurídica que poderia ser provocada com a aprovação de uma das duas PECs.
 
“As duas propostas vão restringir a autonomia de Estados e municípios para normatizar tributos que lhes foram reservados pela Constituição de 1988, o que suscita discussões judiciais quanto à violação ao pacto federativo, cláusula pétrea da Constituição insuscetível de alteração sequer por Emenda Constitucional. Assim, haveria efeito oposto ao pretendido com a reforma tributária: insegurança, ao invés de segurança jurídica”, explica.
 
Outro ponto problemático comum aos dois projetos apontado por Funaro é que elas deixam de atacar deficiências importantes do nosso ordenamento tributário. “As propostas deixam de atacar diversos outros problemas estruturais, como, por exemplo, o abuso na edição de medidas provisórias e na instituição de contribuições e taxas. O processo de alteração constitucional é muito rigoroso e suscita intensos debates, então deve-se aproveitar a janela de oportunidade para corrigir tudo o quanto seja possível para a melhoria do sistema. Em síntese, a reforma tributária precisa avançar no Congresso Nacional, porém, não nos moldes propostos pelas PECs, que poderão acabar piorando o que já é ruim”, diz.
 
Para Eduardo Campos, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, a insegurança jurídica é o principal ponto negativo das duas propostas. “Apesar da simplificação, as competências envolvidas no IBS e no Imposto Seletivo são mais amplas que nos tributos atuais. Isso significa que o detalhamento dessa competência será função da legislação infraconstitucional e haverá mais maleabilidade para se criar novas formas de imposição tributária. Mas é um preço justo a se pagar para uma política tributária mais flexível e menos complexa”, argumenta.
 
Campos também destaca que “há um esforço comum pela transferência de receitas para os entes majoritariamente importadores, que são os Estados e municípios menos desenvolvidos, fixando a arrecadação do IBS no destino. Isso também tende a simplificar a arrecadação, pois acaba com as regras diferenciadas nas operações interestaduais”.
 
Daniela Floriano, sócia da área tributária do Rayes & Fagundes Advogados e juíza do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo, acredita que o grande problema das duas PECs são as desonerações. “É verdade que os benefícios fiscais causam impacto na arrecadação e justiça fiscal, mas não podem ser vistos como vilão em prol de uma simplificação. As desonerações são importantes para regular desigualdades regionais. O Brasil não é apenas um país extenso, mas muito desigual em termos de desenvolvimento de seus Estados. Os incentivos fiscais, nesse contexto, não são favores, mas matéria de política pública essencial num país como o nosso. A pergunta que precisa ser respondida é: em nome da simplificação podemos suprimir a justiça fiscal? Não se ignoram mecanismos de ambas as propostas (devolução dos tributos incidentes sobre o consumo para famílias de baixa renda na PEC 110 ou transferências de renda na PEC 45), mas apenas isso, seria suficiente para não arruinarmos com estados e municípios que em termos de desenvolvimento se encontram em estágios completamente opostos?”, questiona.
 

Fonte: ConJur

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