Notícias

Imagem

É CPMF ou não é? O que o novo tributo de Guedes tem em comum com o imposto do cheque

Depois de mais de um ano de promessas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, parece estar decidido a tirar da gaveta a proposta de reforma tributária do governo federal. No conjunto de mudanças, ao que tudo indica, estará incluída a criação de um imposto sobre pagamentos – uma ideia antiga, que vem sendo gestada dentro do governo desde o início do mandato de Jair Bolsonaro. Não há, ainda, informações definitivas sobre como deve ser o novo imposto. Mas, pelos detalhes que já foram ventilados pelo próprio governo, uma velha pergunta voltou a pairar sobre Guedes: estaria o ministro tentando criar uma nova CPMF? O presidente Bolsonaro garante que não – mas não é o que pensam os tributaristas.
 
A Gazeta do Povo ouviu seis especialistas em sistema tributário, para entender se o novo imposto é, ou não, uma “CPMF disfarçada”. Todos disseram que, apesar de ser difícil avaliar uma proposta ainda não formalizada, não há como negar as semelhanças entre o que deve ser o novo tributo e o que era a CPMF.
 
Para fazer a comparação, basta refrescar a memória. Criada em 1996, a CPMF – sigla para Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – incidia sobre a maioria das transações financeiras e era destinada a custear despesas com saúde. Apenas algumas poucas transações escapavam: a compra de ações, a transferência de recursos entre contas do mesmo titular, e o saque do seguro-desemprego e da aposentadoria. A tributação incidia sobre todas as outras movimentações, inicialmente com alíquota de 0,2%. Depois de alguns anos, a alíquota foi elevada para 0,38%. Em 2007, o Congresso decidiu extinguir a contribuição.
 
Sobre o novo imposto pretendido por Guedes, por sua vez, ainda há poucas informações concretas. O que se sabe, porém, indica para um tributo de mecanismo semelhante ao da CPMF, apenas com uma base distinta: ao invés de incidir sobre todas as movimentações financeiras, a alíquota – que seria de, no máximo, 0,4% – recairia só sobre pagamentos. Há, ainda, a possibilidade de a tributação ocorrer, somente, sobre o comércio online.
 
Tributação à moda da CPMF pode desestimular pagamentos online
 
Se o mecanismo do novo imposto é semelhante ao da CPMF, os problemas que vêm com ele também são – e não são poucos. Em primeiro lugar, dizem os especialistas, tributos desse tipo não são neutros, isto é, eles influenciam no modo como a economia se organiza na prática.
 
“Esse é o tipo de tributo que faz com que as pessoas se comportem de outra forma, o que distorce a atividade econômica. Por exemplo: entre comprar pela internet pagando imposto ou comprar presencialmente, você vai preferir comprar presencialmente”, explica Breno Oliveira, professor de Direito Tributário na pós-graduação da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
 
Se incidir somente sobre o comércio eletrônico, assim, o imposto pode impactar justamente o segmento que vem ganhando força por conta da pandemia do novo coronavírus e da necessidade de evitar aglomerações. “Ainda vai levar um bom tempo para sairmos da crise do vírus. Será que é uma ideia inteligente você forçar as pessoas a comprarem presencialmente”, questiona Oliveira.
 
Juciléia Lima, advogada e professora de Direito Tributário da Universidade Mackenzie em Campinas, salienta que a discussão sobre como tributar o comércio eletrônico está ocorrendo em todo o mundo, para impedir que as gigantes do setor escolham onde alocar seus lucros de forma a pagar menos tributos. Ela destaca, porém, que no Brasil já há a cobrança de impostos sobre a economia digital. “Essa proposta dá a entender que as empresas desse segmento não pagam tributos no Brasil, o que não é verdade. Quando elas estão domiciliadas aqui, podem ser tributadas em até 40%”, diz.
 
Lima aponta, ainda, que a tendência dos pagamentos digitais está crescendo no mundo – e, ao tributá-los, o governo pode desincentivar a modernização do sistema de pagamentos no país. “O contribuinte vai arrumar uma forma de se evadir desse pagamento. As pessoas vão passar a utilizar mais a moeda [física], não há como ignorar isso”, afirma.
 
Os mecanismos para burlar o pagamento do imposto, além disso, geram um outro problema na cobrança de tributos desse tipo. “A tendência é de que a base de tributação sofra uma erosão ao longo do tempo. Com isso, para arrecadar o mesmo montante, o governo tem que aumentar a alíquota”, completa Oliveira.
 
Imposto deve ser nocivo a cadeias mais longas e prejudicar mais pobres
 
Há, ainda, outros dois problemas relacionados a esse tipo de imposto. Se incidir em todos os pagamentos, por exemplo, a tributação esbarra na chamada cumulatividade, considerada ineficiente. “É um imposto em cascata. Toda hora em que você pagar alguma coisa, ele vai incidir. A depender da quantidade de etapas que tem uma cadeia, a alíquota é multiplicada”, explica o tributarista Bernardo Oliveira. Na prática, cadeias mais longas acabariam pagando mais imposto do que as demais.
 
Também haveria distorções em relação à distribuição do pagamento na sociedade. Um imposto sobre pagamentos tem uma base ampla, ou seja, abarca um grande número de contribuintes, independentemente da renda. Em um sistema tributário como o brasileiro, considerado regressivo – ou seja, em que os mais pobres já pagam, proporcionalmente, mais imposto do que os mais ricos – este seria mais um efeito nocivo.
 
“Não há nenhuma garantia de que ele vá incidir mais sobre os que ganham mais e menos sobre os que ganham menos. E também não dá para saber o reflexo disso no preço final dos bens e serviços. É um imposto absolutamente imprevisível”, diz Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal.
 
O assessor especial do ministro Paulo Guedes, Guilherme Afif Domingos, sinalizou que o governo já tenta se blindar contra essa última crítica. Em entrevista ao programa CB.Poder, do Correio Braziliense e da TV Brasília, Afif Domingos disse que o governo pretende isentar quem ganha até 2,5 salários mínimos por mês do pagamento do novo tributo. Ainda não está claro, porém, como o governo conseguiria identificar os contribuintes com direito à isenção.
 
O ministro Paulo Guedes sabe de todos esses problemas. Tanto que, em entrevista ainda no ano passado, classificou o novo imposto como “feio” e “chato”. Mas por que, então, a ideia persiste dentro da equipe econômica?
 
“A principal vantagem desse imposto é que ele é de fácil arrecadação, então ele sempre fica pairando como uma possibilidade. Quando o governo privilegia a arrecadação ao funcionamento adequado do sistema tributário, ele acaba sendo um forte candidato”, responde Pellegrini, da IFI.
 
A tentativa de fugir da alcunha da CPMF, assim, parece ser mais uma forma de evitar que a proposta seja rejeitada logo de cara pela sociedade. “A intenção é afastar esse nome porque a CPMF não é um imposto bem quisto. Na verdade, nenhum é, mas a CPMF ficou sendo prorrogada por muito tempo”, diz Charles Dutra, contabilista e administrador do Canal Tributário.
 
Na nova proposta, as distorções provocadas pelo imposto à moda da CPMF seriam compensadas pela desoneração da folha de pagamento. “O foco é gerar empregos. É nobre, é bonito. Mas o remédio para esse propósito acaba sendo amargo, porque é um tributo ineficiente”, afirma Fagner Souza, sócio de Serviços Tributários da consultoria Mazars.
 
Mas, mesmo com um bom motivo, a proposta ainda tem um outro problema a resolver. Nas contas de Pellegrini, da IFI, para desonerar a folha, o governo precisaria arrecadar R$ 320 bilhões por ano. Com a alíquota do novo imposto sobre pagamentos, de até 0,4%, as estimativas que vêm sendo ventiladas pelo Executivo apontam para a arrecadação de algo em torno de R$ 120 bilhões, no melhor cenário.
 
“Para substituir tudo, a estimativa é de que a alíquota teria que ser de 1,1%. Ainda que fosse menos do que isso, é uma alíquota alta”, diz Pellegrini. Assim, diz o diretor da IFI, a tendência é de que o governo opte por desonerar parcialmente a folha, com uma alíquota que não arrecade tanto.
 
Quando a proposta concreta de reforma tributária do governo deve vir a público
 
Ainda não se sabe ao certo quando todas as dúvidas sobre a proposta do imposto sobre pagamentos serão sanadas. A previsão é de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregue ao menos parte da proposta de reforma tributária ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, nesta terça-feira (21). Não está claro, porém, se o ministro levará a proposição completa da reforma, ou se irá encaminhar apenas a primeira etapa das alterações pensadas pelo Executivo – que consiste na unificação de impostos federais (PIS e Cofins) em um único tributo sobre bens e serviços, que deve ter alíquota de 12%.
 
A tendência é de que a etapa da desoneração da folha, com a proposta de criação do imposto sobre pagamentos, seja encaminhada só mais adiante, para evitar que as discussões no Congresso sejam “contaminadas” pela rejeição a esse tipo de tributo.
 
No Parlamento, a proposta do governo terá, ainda, de competir com duas outras proposições, com discussões mais adiantadas: a proposta de emenda à Constituição (PEC) 110, do Senado, e a 45, da Câmara dos Deputados. Em fevereiro, deputados e senadores formaram uma comissão mista para unificar os dois textos. Os trabalhos ainda não chegaram a um resultado.
 

Fonte: Gazeta do Povo

Categorias:

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.