Artigos

Imagem

As medidas para tributação menos onerosa nas classes de menor poder aquisitivo

Por Filipe Araújo da Paz*
 
Em um cenário ideal no sistema tributário brasileiro, a Justiça fiscal estaria nas despesas atendendo as necessidades básicas dos cidadãos, e na receita com uma arrecadação justa. Por arrecadação justa entende-se como aquela de menor participação de tributos indiretos e maior abrangência dos tributos diretos. A conjuntura da tributação brasileira prevê justamente o inverso. O sistema deveras regressivo contribui para o aumento da desigualdade social.
 
A virada de chave de um sistema regressivo para a progressividade, de acordo com Raquel Di Creddo, "promove o fortalecimento da economia com produtos mais competitivos no mercado e aumento da capacidade de consumo, gerando riqueza e crescimento social e econômico [1]".
 
A revogação da isenção do Imposto de Renda sobre a distribuição dos lucros e dividendos é uma das medidas que contribuem para essa virada de chave. Entretanto, trata-se de um passo, a revogação em si não é capaz de alterar o sistema, apesar de beneficiá-lo. É necessário que se reduza a incidência da tributação sobre o consumo e dos demais tributos indiretos, além de alterações na sistemática do Imposto de Renda e toda adoção de medidas que impliquem em maior equidade tributária.
 
Em conjunto com a revogação do artigo 10 da Lei 9.249/05, estaria a revogação do artigo que o antecede eliminando a figura fictícia dos juros sobre o capital próprio. A ampliação das faixas da tabela progressiva do Imposto de Renda, com a inclusão de alíquotas maiores que alcancem rendimentos mensais acima do máximo permitido, atualmente de pouco menos de R$ 5 mil reais, se apresenta como mais uma medida que implica em progressividade.
 
Além destas, a representatividade da carga tributária incidente sobre o patrimônio, como demonstrado anteriormente, é verdadeiramente baixa. Para Piscitelli, há espaço para tributação a ser explorado quando se trata do patrimônio, sobretudo em relação às heranças. A alíquota média nacional do ITCMD é de ínfimos 4% [2]. Some-se isso ao fato de que o patrimônio reunido dos bilionários brasileiros alcança cerca de R$ 424,5 bilhões, porém, metade desse valor advém das heranças do patrimônio familiar [3].
 
Entre os bilionários citados e entre as famílias mais ricas, concentram-se, de igual modo, bens de luxo, como iates e aeronaves, que não recebem a tributação do IPVA. O STF, no Recurso Extraordinário 379.572/RJ [4], rechaçou a tributação do IPVA sobre embarcações e aeronaves, sob a justificativa de que o imposto sucedeu a taxa rodoviária única, que excluía tais bens.
 
Ampliar a base de cálculo do IPVA para abranger as aeronaves e embarcações implicaria em aumento de arrecadação estimado entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, somado ao melhoramento de alíquotas progressivas por valor venal do bem automotor [5].
 
Em caso de impossibilidade de se estabelecer a progressividade das alíquotas do IPVA, a proposta de reforma tributária solidária prevê o aumento da alíquota do imposto, porém com a oferta de um desconto monetário de cerca de meio salário mínimo ou um salário mínimo, o que implica em isenção ou em um valor residual a pagar, beneficiando, portanto, proprietários de automóveis mais pobres que detém, em regra, veículos populares [6].
 
Para além da tributação sobre o patrimônio, várias foram as propostas, muitas delas ainda ativas, de desoneração da tributação sobre a folha de pagamento, com a compensação da perda da Previdência Social a partir de outras receitas tributárias. Nessa esteira, Fagnani et al (2018), assim dispõem:
 
"A linha de redução parcial da carga de tributos sobre a folha, de forma progressiva e plenamente compensada por contribuição sobre o valor adicionado, é uma possibilidade interessante. Com isso seriam mitigados os impactos setoriais, seria assegurado o nível de financiamento das políticas públicas e o tributo não distorceria a alocação de recursos na economia. Afinal, a folha de salários é parte do valor adicionado na economia, e sua substituição pelo faturamento ou mesmo pela movimentação financeira, acabaria em cumulatividade e distorções indesejáveis" [7].
 
A desoneração da folha, com o olhar atento à garantia da manutenção dos recursos para o financiamento da proteção social, mostra-se como medida impactante para o alcance de maior justiça fiscal.
 
Tais medidas, em conjunto com a redução da carga tributária incidente sobre o consumo, que representa praticamente metade da totalidade da carga tributária brasileira, implicaria em uma maior igualdade das bases de tributação, aliviando o fardo sobre as classes de menor poder aquisitivo e por consequência, aproximando-se da Justiça fiscal.
 
*Filipe Araújo da Paz é advogado tributarista, secretário-geral da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB-PE, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), membro correspondente da Academia Cearense de Direito e membro associado da ABRADT.
 
[1] DI CREDDO, Raquel Naday. O pagamento de tributos e a justiça fiscal. Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Paraná. Curitiba, n. 3, 2012, p.191. Disponível em: <http://docplayer.com.br/9113206-O-pagamento-de-tributos-e-a-justica-fiscal.html>. Acesso em: 07 mai. 2020.
 
[2] PISCITELLI, Tathiane. Justiça Fiscal como requisito inafastável do estado democrático de direito: uma análise do caso brasileiro. Lisboa: Rei dos Livro, 2018, p.1223. Disponível em: <https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2020/01/Tathiane-Piscitelli.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2020.
 
[3] OXFAM. A distância que no une — um retrato das desigualdades brasileiras. São Paulo: Oxfam Brasil, 2017, p.30.
 
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 379572/RJ — Rio de Janeiro. Relator: Gilmar Mendes. Diário da Justiça: 01 de fevereiro de 2008. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur4554/false>. Acesso em: 07 jun. 2020.
 
[5] FAGNANI, Eduardo (Org.). A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP: FENAFISCO: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018, p.433-434.
 
[6] FAGNANI, Eduardo (Org.). A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP: FENAFISCO: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018, p.434.
 
[7] FAGNANI, Eduardo (Org.). A Reforma Tributária Necessária: diagnóstico e premissas. Brasília: ANFIP: FENAFISCO: São Paulo: Plataforma Política Social, 2018, p.536.
 
*É advogado tributarista, secretário-geral da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB-PE, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), membro correspondente da Academia Cearense de Direito e membro associado da ABRADT.

*A opinião contida neste artigo é a do autor e não necessariamente exprime o posicionamento da DS Curitiba.

 

Fonte: ConJur

Categorias:

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.