Notícias

Imagem

“Estímulo impensável à sonegação”, diz conselheiro do IJF sobre acordo para a volta do voto de qualidade no CARF

O acordo entre o Governo Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em ação sobre as alterações nas normas do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CARF), sobretudo no ponto específico do retorno do voto de qualidade, trouxe preocupações à categoria dos auditores-fiscais da Receita Federal e entidades que lutam por justiça fiscal no Brasil.

Isso porque, segundo o que foi pactuado, quando uma pessoa jurídica ou física perder um processo no CARF em função do voto de qualidade, a multa e os juros serão cancelados caso o contribuinte quite o valor principal devido em até 90 dias. Se porventura o devedor recorrer à Justiça, apenas os juros podem voltar a ser cobrados, mas não a multa.

O acordo veio após a OAB questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a Medida Provisória Nº 1.160, assinada pelo presidente Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que recriou o voto de qualidade no CARF e faz parte de um conjunto de ações de recuperação fiscal. O objetivo é reduzir a previsão do déficit orçamentário para 2023, estimado em cerca de R$ 230 bilhões. O voto de qualidade deixou de existir quando apareceu em meio à MP do Contribuinte Legal (MP 899/2019) e foi sancionado pelo ex-presidente Bolsonaro por meio do artigo 28 da Lei 13.988. Essa norma determinava que, em caso de empate, a decisão seria a favor do contribuinte.

Para o conselheiro do Instituto Justiça Fiscal (IJF) Ricardo Fagundes da Silveira, o acordo entre a OAB e o Governo Federal é um incentivo à judicialização das demandas fiscais e, pior ainda, à sonegação. “Na forma como está, o acordo desestimula o recolhimento espontâneo. Esse aspecto pode resultar em impactos de arrecadação espontânea neste e em governos futuros. É um estímulo impensável à sonegação, principalmente aquela originada em planejamentos tributários abusivos, recurso comum às grandes corporações empresariais”, afirmou.

Além de discorrer sobre o acordo, em entrevista à Delegacia Sindical de Curitiba do Sindifisco Nacional, o conselheiro do IJF analisa o modelo do CARF, com críticas à presença privada na revisão administrativa e o demasiado tempo para a execução fiscal, assim como sugere revisão no funcionamento do Conselho. Confira a entrevista a seguir.

 

DS Curitiba - Governo e OAB fecharam acordo em ação no STF para o retorno do voto de qualidade no CARF, porém com perdão de multa e juros para os contribuintes que perderem uma causa no Conselho. Como você avalia esse acordo?

Ricardo Fagundes - O que sabemos do acordo aponta para situações muito controversas e com efeitos muito arriscados. Dentre as controversas temos o conflito entre as previsões legais para multas, porque a lei prevê que contribuintes que simplesmente atrasam (por falta de recursos ou esquecimento, por exemplo) paguem uma penalidade (multa e juros) que os contribuintes que litigam podem não pagar em função do voto de qualidade. Essa dicotomia resultará em disputas judiciais relevantes. 

Um dos efeitos que me parece desastroso é que, na forma como está, o acordo desestimula o recolhimento espontâneo. Esse aspecto pode resultar em impactos de arrecadação espontânea neste e em governos futuros. É um estímulo impensável à sonegação, principalmente aquela originada em planejamentos tributários abusivos, recurso comum às grandes corporações empresariais. A medida adotada para tentar solucionar uma lacuna específica, que é a participação privada na revisão administrativa de autuações fiscais, pode abrir uma enorme fenda no sistema.

Enfim, arriscadíssimo o acordo! Não posso acreditar que o Congresso Nacional sancionará coisas do tipo.

 

DS Curitiba - Você estudou órgãos similares ao CARF em outros países. O que há de diferente no Brasil em relação aos modelos adotados internacionalmente?

Ricardo Fagundes - O modelo brasileiro é disfuncional em vários sentidos. Dura, em média, mais de nove anos, enquanto na maioria dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) não passa de um ano. Facilita a postergação do pagamento e, muitas vezes, inviabiliza a execução fiscal ao final de todas as etapas administrativas e judiciais (que dura, em média, mais nove anos e oito meses). Depois de 18 anos não existem mais bens, às vezes nem mesmo as empresas, para se cobrar o valor sonegado.

Mas a principal dicotomia com outros países é a presença privada na revisão administrativa. Veja bem, o CARF é um órgão de revisão que precede o julgamento no judiciário. Em nenhum país do mundo as confederações empresariais indicam julgadores para a etapa administrativa. E mais, como no Brasil essas corporações indicam metade dos julgadores, não existindo um critério de desempate, como o voto de qualidade, os representantes da iniciativa privada podem cancelar autuações por sonegação fiscal e estas sequer serão julgadas no judiciário. Uma aberração absoluta que ocorre no Brasil e está vinculada ao poder das oligarquias. O modelo brasileiro tem raízes nas Juntas da Real Fazenda do Império e não pode ser considerado republicano.

 

DS Curitiba - Na sua opinião, qual seria a forma mais adequada de funcionamento do CARF?

Ricardo Fagundes - O CARF é um órgão de revisão administrativa de segunda e terceira instâncias. O modelo brasileiro precisa, urgentemente, seguir os padrões internacionais e transformar a revisão administrativa no que ela é na essência: revisão da administração tributária realizada por servidores dessa. Para isso, a meu ver, três são os caminhos:

O primeiro, mais ideal, é limitar a revisão à uma instância somente, que são as Delegacias de Julgamento que já existem e funcionam muito bem. Feita apenas por servidores públicos, a duração da revisão administrativa pode ser reduzida para um ano, aproximadamente. Esta hipótese significa acabar com o CARF.

A segunda hipótese é preservar o CARF apenas com uma segunda instância, acabando com a Câmara Superior de Recursos Fiscais e restringindo a realização do julgamento a servidores públicos. Nesta situação, acabamos com a anomalia da presença privada na revisão administrativa e reduzimos a duração total para no máximo 2 anos.

O terceiro caminho, que não soluciona a questão da duração, mas torna o sistema minimamente mais aceitável, razoável, é democratizar a representação privada no CARF. Ou seja, reduziria o privilégio das confederações empresariais, dividindo sua participação com outros setores sociais também interessados nos tributos e no contencioso fiscal. Assim, a metade dos julgadores indicados pela sociedade civil seria dividida, de forma igualitária, entre representantes dos trabalhadores, empresários, beneficiários de políticas públicas, etc.

 

Foto: Sindifisco Nacional

Fonte: DS Curitiba

Categorias:

Comente esta notícia

código captcha
Desenvolvido por Agência Confraria

A Delegacia Sindical de Curitiba do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional) utiliza alguns cookies de terceiros e está em conformidade com a LGPD (Lei nº 13.709/2018).

Saiba mais sobre o tratamento de dados feito pela DS Curitiba CLICANDO AQUI. Nessa página, você tem acesso às atualizações sobre proteção de dados no âmbito da DS Curitiba, bem como às íntegras de nossa Política de Privacidade e de nossa Política de Cookies.