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Pública ou privada, a elite brasileira sempre escapa dos impostos

Que o sistema tributário desagrada a maior parte do povo brasileiro não é nenhuma novidade. Em parte porque a carga de impostos paga pelos brasileiros raramente se traduz em serviço público de qualidade para a população. Mas, principalmente, porque ela é distribuída de forma extremamente injusta.
 
Temos, no país, o que chamamos de um sistema tributário regressivo, ou seja, uma carga de impostos que cobra, relativamente, mais dos pobres do que dos ricos. E não são poucas as artimanhas que a elite brasileira, tanto a pública quanto a privada, arrumou para manter essa situação. Por ironia (ou não), tudo dentro da mais estrita legalidade.
 
Primeiro porque há um grande problema na forma como foi distribuída a carga tributária brasileira. Mais de 56% da arrecadação incide sobre o consumo das pessoas, enquanto os impostos sobre renda e patrimônio representam cerca de 44%.
 
Essa situação é problemática porque, a não ser em casos que tratam de produtos de luxo, é impossível fazer uma diferenciação na cobrança de impostos sobre o consumo entre pessoas pobres e ricas.
 
Um saco de feijão na prateleira do mercado pode ser igualmente comprado por um morador de favela ou por um de um bairro luxuoso, já que todos têm necessidade de se alimentar.
 
E a maior parte da tributação sobre o consumo (mais de 86%) acaba incidindo em necessidades humanas básicas, como habitação, transporte, alimentação e vestuário.
 
Quando tributamos renda, ao contrário, é possível escalonar a alíquota dos impostos, por exemplo, cobrando uma porcentagem no Imposto de Renda maior de quem ganha um salário de R$ 25 mil por mês do que de quem ganha R$ 5 mil. Com patrimônio, o mesmo acontece, já que é possível cobrar mais de quem tem mais posses.
 
Mas gostaria de focar em apenas dois pontos que estão relacionados à renda dos mais ricos no país. Por isso, não me alongarei, pelo menos neste artigo, na questão da redução dos impostos sobre o consumo, uma medida igualmente urgente que abordarei em outro artigo futuro.
 
E quando falamos em renda dos mais ricos, a elite pública e a privada se juntam num abraço apertado de generosas isenções fiscais. Cada uma com a sua própria artimanha, porém.
 
Primeiramente, importante ressaltar que a elite do funcionalismo público representa apenas uma minoria de todo o setor público do país. Estamos, aqui, falando de pessoas como juízes e promotores, não de professores, escreventes, técnicos, entre outros. Não sou desonesto como o Banco Mundial para colocar todas essas pessoas no mesmo balaio.
 
Essa elite, formada por juízes, promotores ou ministros e conselheiros de Tribunais de Contas, recebeu, em média, R$ 630 mil por pessoa em 2016. De todo esse rendimento, cerca de 30%, ou R$ 180 mil anuais, foram livrados de qualquer imposto. Uma média de isenção fiscal que chega a ser três vezes maior que a média do funcionalismo público do país.
 
E apesar de representarem menos de 1% desse funcionalismo, os R$ 6,4 bilhões que essa elite pública recebe de renda isenta de imposto representa mais de 10% do total entre todos os funcionários públicos do Brasil.
 
Considerando-se a alíquota de 27,5% de Imposto de Renda que poderia incidir sobre esses valores, pode-se considerar que o país deixa de arrecadar cerca de R$ 1,76 bilhões por ano com essa “generosidade” a uma casta de pouco mais de 30 mil pessoas. Isso só levando em conta uma parte da elite pública, composta por juízes, promotores e Tribunais de Contas.
 
Isso acontece por causa dos tais “penduricalhos” recebidos por essas elites, que são isentos da cobrança de impostos. Vantagens como o polêmico auxílio-moradia, motivo de uma recente paralisação vergonhosa de juízes federais no país. Vantagens que, aliás, no caso dos juízes, são garantidas pela LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura), redigida, vejam vocês, pelo próprio STF.
 
E se, em algum momento, esses penduricalhos surgiram por algum motivo “nobre” de realmente auxiliar ou de incentivar funcionários públicos, certo é que, para essas elites, eles há muito já perderam o significado.
 
Isso porque os penduricalhos são isentos por não serem considerados salários. Por isso mesmo, não entram na conta dos tetos-salariais impostos a funcionários públicos.
 
Porém, nas palavras do juiz Sérgio Moro, que recebe auxílio-moradia mesmo morando em imóvel próprio, “o auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.
 
Ontem, em entrevista ao Roda Viva, o juiz federal Sérgio Moro mais uma vez tentou se esquivar da polêmica, evitando responder se os penduricalhos deveriam ser, pelo menos, tributados. Acabou reafirmando sua justificativa de que os juízes “sofrem” da falta de reajuste salarial, mas ignorou que o salário inicial de juízes federais no último concurso para o TRF-4 era superior a R$ 27.500,00.
 
Leia mais: Por que foi “ótima” a entrevista do juiz Sérgio Moro ao Roda Viva?
 
O exemplo de racismo institucional defendido por Sérgio Moro na TV Cultura
 
Em outras palavras, o recebimento de penduricalhos acabou virando uma maneira dessa elite do funcionalismo público de aumentar a própria renda e, de quebra, driblar o teto-salarial e a cobrança de impostos. Funciona como salário para eles, mas não para a lei.
 
Não à toa, os rendimentos totais médios de um juiz no Brasil chegaram a R$ 47.703,00 mensais, bem acima do teto de R$ 33,7 mil.
 
Porém, não podemos ser injustos. Nem só juízes e promotores conseguem tal feito. No Executivo, diplomatas conseguem algo ainda maior, com uma média de mais de 53% de suas rendas isentas de tributação. Para quem recebe, em média, mais de R$ 440 mil por ano, a isenção beneficia quase R$ 235 mil da renda anual. Tudo muito distante do restante do funcionalismo público, para quem as isenções raramente ultrapassam os 15% de sua renda.
 
Mas se os quase R$ 2 bilhões perdidos em isenções para juízes e promotores assusta, a pequena elite privada consegue “benesses” ainda maiores. Porém, como dito, a artimanha é outra, apesar de ser mais uma forma de isenção de renda.
 
Segundo o IPEA, em 2013, dos 71 mil brasileiros mais ricos, 51 mil receberam dividendos. Isso de certa forma, quebra a narrativa de que a elite do Brasil se pendura no funcionalismo público assalariado.
 
Como Piketty bem mostra em toda a sua obra, o capitalismo liberal tornou praticamente impossível de competir em renda com aqueles que conseguem render sobre o próprio capital. Falamos aí não só de rentistas puros, mas dos clássicos capitalistas donos de meios de produção.
 
E, assim como os “penduricalhos” da elite pública, os dividendos da elite privada também não são tributados por aqui
Em todos os países da OCDE, exceto na Estônia, a tributação sobre lucros e dividendos funciona da seguinte maneira: as empresas pagam imposto sobre seus lucros e, após isso, os lucros são distribuídos entre os acionistas na forma de dividendos. Estes dividendos, então, ao serem declarados pelas pessoas que os recebem, sofrem uma nova cobrança de impostos.
 
No Brasil, o Governo apenas cobra uma taxa média de 30% sobre os lucros da empresa, mas não tributa os dividendos, ou seja, não cobra impostos sobre a divisão que os acionistas fazem desse lucro. Com isso, a tributação total sobre esse tipo de renda, no país, fica só nos 30%, algo bem abaixo de países mais desenvolvidos e igualitários.
 
A média de tributação sobre lucros e dividendos na OCDE, por exemplo, é de 48%. Na França, a cobrança chega a 64%. Nos EUA, ela é de 57% e, na Alemanha, de 49%.
 
E o preço que o Brasil acaba pagando por essa diferença é caro.
 
Primeiro, no próprio aquecimento da economia do país, já que a cobrança de imposto sobre dividendos é considerada como um incentivo aos empresários para reinvestirem seus lucros na própria empresa. Segundo, pela questão arrecadatória, já que se estima que uma alíquota geral de 15% sobre dividendos no país, ainda que isentando pequenos empresários, seria capaz de arrecadar algo entre R$ 43 bi e R$ 60 bi anuais a mais.
 
Mas, talvez, o preço mais caro que o país acaba pagando é o da desigualdade
Segundo a Oxfam, vale lembrar, o grupo do 0,1% mais rico do Brasil tem 66% de isenção de impostos, contra apenas 17% de uma grande classe média que recebe entre 3 e 20 salários mínimos. O fato de boa parte desse grupo de mais ricos receberem dividendos não é mera coincidência.
 
Poderia, ainda, discorrer sobre outras discrepâncias como o fato de o ICMS (um imposto sobre consumo) ser a maior fonte de arrecadação tributária do país, ou sobre como o Imposto sobre Grandes Fortunas ainda não foi criado no Brasil, apesar de previsto na Constituição.
 
Poderia também falar sobre as absurdas faixas de progressividade do Imposto de Renda, que tratam alguém que não chega a ganhar nem R$ 5.000 por mês da mesma forma que trata um milionário.
 
Poderia até falar sobre as sonegações, os paraísos fiscais e as offshores. Mas só as constatações sobre os “penduricalhos” e os dividendos já dão uma ideia da máquina de concentrar renda que se tornou o sistema brasileiro.
 
Um sistema onde o 1% mais rico concentra, sozinho, 27% da renda nacional, colocando o Brasil ao lado do Oriente Médio e da África Subsaariana no quesito desigualdade.
 
Desse modo, vê-se que, pelo Estado ou pelo mercado (se é que os dois não possam ser considerados braços de um mesmo corpo), a elite sempre arranja o seu modo de escapar dos impostos no Brasil.
 
Almir Felitte é Graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
 

Fonte: Carta Capital

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